Pesquisadores
brasileiros participam do que pode ser a maior descoberta da Ciência
O
ano de 2012 foi marcado por um grande avanço científico e, desta
vez, com colaboração brasileira. Depois de passar 15 anos estudando
a aids na
Universidade de Miami, o pesquisador norte-americano David Watkins
juntamente com uma equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
descobriu uma técnica que pode levar à produção da vacina contra
a aids. A novidade foi destaque na edição de 30 de setembro da
revista Nature.
Embora
as pesquisas ainda estejam engatinhando, a expectativa é grande.
Afinal, estimativas mostram que há quase 34 milhões de
soropositivos no mundo e a vacina é a maior aposta para erradicação
da doença. Para entender melhor o projeto, o Minha Vida aproveitou o
Dia Nacional da Vacinação, que acontece em 17 de outubro, e
conversou com a chefe do Laboratório de Biologia Molecular de
Flavivírus Myrna Bonaldo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocriz).
Confira.
1.
Já existe vacina contra a aids?
Não.
O que existe é uma técnica que pode levar a criação dessa vacina.
A técnica consiste em compostos indutores de produção de células
T CD8, organismo encarregado de eliminar vírus e outros intrusos do
corpo. "Nos primatas testados, houve aumento da produção
dessas células e, consequentemente, melhor controle da carga viral",
explica Myrna. Segundo ela, isso ocorreu em todos os primatas em fase
aguda da doença e, na fase crônica, apenas dois foram vítimas de
uma mutação do vírus com o qual eles estavam infectados e, assim,
conseguiram escapar da ação da célula.
O
infectologista Thiago Leandro Mamede, professor da Escola de Medicina
Souza Marques, explica que a fase aguda é aquela logo após a
contaminação com o vírus. "Geralmente assintomática, ela
marca o período de até três meses após a infecção",
afirma. Encontram-se na fase crônica da doença, por usa vez,
indivíduos que na maior parte das vezes não sabia que estava
infectado e descobriu por meio de exames ou manifestação de
sintomas.
2.
Qual descoberta possibilitou o avanço da pesquisa?
Segundo
a pesquisadora Myrna, o projeto deixou de focar a produção de
anticorpos e passou a buscar maneiras de controlar a replicação do
vírus. "O objetivo foi bem sucedido mediante a indução da
produção de células T CD8", explica. O fenômeno pode ser
visto naturalmente nos soropositivos chamados 'controladores de
elite', que totalizam um em cada 300 infectados. "Esses
indivíduos que sem uso de medicamentos conseguem controlar a carga
viral", aponta a pesquisadora.
3.
Quais os principais obstáculos do projeto?
"Pesquisadores
do mundo todo estão há mais de trinta anos estudando o
desenvolvimento de uma vacina contra o vírus da aids, mas sua grande
variabilidade genética fazia com que tentássemos atingir um alvo em
movimento", afirma a especialista Myrna. Assim, uma vacina
eficaz contra a doença deveria funcionar de duas maneiras: tanto por
meio de anticorpos neutralizantes dos vírus quanto estimulando a
produção de células T CD8.
Pesquisadores
do mundo todo estão há mais de trinta anos estudando o
desenvolvimento de uma vacina contra o vírus da aids
De
acordo com o infectologista Thiago, o vírus HIV já teve seu genoma
mapeado. "Sabemos, portanto, quando estamos diante de uma
mutação", explica. Tais alterações podem tanto aumentar
quanto diminuir a virulência do vírus, tornando-o mais ou menos
4.
Há previsão de testes em humanos?
Ainda
não houve testes em humanos e não há previsão de quando isso irá
acontecer. "Até o momento, foram estudados dois grupos de
macacos rhesus", aponta a pesquisadora Myrna. Um deles recebeu
diferentes compostos indutores de células T CD8 e o outro foi
utilizado como controle, para permitir a comparação de dados. Todos
foram inoculados com o vírus SIV, específico para a espécie e
capaz de promover um quadro similar ao da aids. "O objetivo não
era medir a capacidade de proteção das substâncias, mas comprovar
a ação sobre a produção de células T CD8", explica.
5.
Como o conhecimento brasileiro sobre febre amarela está sendo
aproveitado?
A
produção ocorre de forma bastante complexa, aponta a pesquisadora
Myrna. "Fazemos com que o vírus vacinal da febre amarela
funcione como uma plataforma que leva trechos de alguns genes do
SIV", explica. Assim, quando alguém recebe essa vacina,
espera-se a produção de células T CD8 específicas aos pedaços
clonados do SIV. Ou seja, a vacina de febre amarela, usada desde 1937
e comprovadamente segura e eficaz, funciona como um serviço de
entrega.
6.
A vacina apenas impediria a replicação do vírus?
O
mecanismo de ação da vacina seria estimular a produção de
organismos capazes de eliminar células infectadas com o vírus. Isso
impediria a replicação do vírus e eliminaria células doentes.
7.
Como ainda não há previsão sobre o surgimento de uma vacina contra
aids, qual a recomendação para a população soropositiva ou não?
"A
primeira recomendação é o uso do preservativo desde o começo das
preliminares", recomenda o infectologista Thiago. Segundo ele,
mesmo quem é soropositivo e tem relações com outro indivíduo
soropositivo deve usar camisinha. Isso porque há risco de nova
infecção, já que o vírus sofre mutações. "É como se ele
fosse infectado novamente, mas por um agente diferente",
explica.
Outro
conselho do especialista para quem é soropositivo é aderir ao
tratamento, realizar os exames solicitados na data correta e agendar
consultas com o médico que acompanha o caso regularmente. "Desta
maneira, é possível levar uma vida completamente normal", diz.